sábado, 25 de abril de 2009

O Zé.

Leiam a história que se segue e vejam se se conseguem lembrar de um país que tenha uma história semelhante à do Zé.

O Zé tinha um terreno. Mas como o Zé ainda era menor, era o pai que mandava no Zé. No terreno o Zé tinha um moinho, tinha um poço, tinha um gerador, tinha um celeiro, uma casa modesta e várias máquinas agrícolas pequenas, mas do que produzia o pai tirava-lhe uma parte do rendimento, o qual guardava. Como o terreno não produzia por aí além, o Zé tinha que viver com pouco e viver uma vida modesta, não podendo fazer grandes gastos em luxos. O pai do Zé era uma pessoa severa e não admitia que o Zé reclamasse. Um dia, num dia primaveril, num dia 25 (como hoje), o pai do Zé morreu, tendo imediatamente o lugar do pai sido tomado por um padrasto. O padrasto não parecia má pessoa e começou a tratar o Zé de uma forma muito mais agradável, deixando-o desabafar as suas mágoas. Vendo também que o Zé vivia com um orçamento um bocado apertado, e para que o Zé gostasse de si, tomou uma primeira medida: pegou no dinheiro que o pai do Zé guardara e começou a dar ao Zé um pouco todos os meses, o que fez com que o Zé pudesse viver um pouco melhor e começar a comprar coisas que antes não podia. Claro que o padrasto do Zé também tinha gastos, por isso ficou com metade do que o pai do Zé guardara, para si, para os seus gastos. Durante uns tempos o Zé andou muito mais feliz, fez obras na casa, e fazia desabafos com o padrasto, coisa que o pai não lhe permitia. Entretanto, continuava a receber mais algum por mês do dinheiro que o pai lhe tinha tirado durante alguns anos e a vida seguia de vento em popa.
Só que o Zé não produzia mais do que nos tempos do pai e o dinheiro que o pai guardara estava a acabar e o Zé teria que, dentro em breve, voltar à vida anterior. Como esta melhoria de vida que estava a ter tinha sido um dos motivos por que o Zé não lamentara a substituição do pai pelo padrasto, o padrasto tratou de arranjar maneira de não privar o Zé da vida que levava – claramente muito acima da que poderia levar face ao que a quinta rendia – e tratou de ir pedir dinheiro a um vizinho. O vizinho não se importou de emprestar dinheiro, mas avisou logo que um dia este teria que ser restituído e com juros. O padrasto não se importou, pois não queria ver o Zé a levar a vida que levava antes. Claro que pediu um pouco mais do que aquele que entregou ao Zé, pois necessitava de continuar a levar a sua vidinha e até estava a precisar de trocar de carro. O Zé não sentiu, portanto, quando o dinheiro do pai acabou e continuou a levar a sua vida. Entretanto o vizinho não pôde emprestar dinheiro durante muito mais tempo sem garantias, por isso, para poder continuar a conseguir o dinheiro para que o Zé continuasse a levar a sua vida (já comprara mobílias novas a um comerciante da zona, as quais estava a pagar a prestações, com juros não muito altos, dissera-lhe o padrasto), o padrasto do Zé teve que dar o moinho como garantia. Como o tempo passou e os empréstimos eram cada vez maiores e os juros tornavam-se incomportáveis, o padrasto teve que dar o moinho ao vizinho e pagar de cada vez que o utilizava. Como os juros eram já de montantes insuportáveis, e ainda tinha que pagar pela utilização do moinho, o padrasto do Zé vendeu o poço, passando também a pagar pela água e pediu dinheiro a outro vizinho, que lho emprestou com juros. Entretanto o padrasto do Zé decidiu comprar uma mota ao Zé, para que o Zé continuasse a levar uma vida melhor do que a do tempo do pai e comprou a mota a prestações, ficando o Zé a pagar as prestações da mota, dos móveis, do dinheiro emprestado e a pagar a utilização do poço e do moinho, tudo isso sem que a quinta produzisse mais; antes pelo contrário, a quinta produzia menos, pois o padrasto dissera ao Zé para não trabalhar tanto e para dar mais passeios de mota. Para poder pagar isso tudo, o padrasto do Zé foi pedir dinheiro a outro vizinho (ficando também com algum para si, para construir uma casa maior para si e para a mãe do Zé), mas este já só lhe emprestou com uma taxa de juro mais alta, pois o risco de o Zé não lhe conseguir pagar era grande (eram já muitas dívidas que o Zé acumulava e a quinta não produzia mais) e com a garantia do gerador. Passado um tempo, e como o Zé não ganhava para tanta despesa, o padrasto vendeu o celeiro, passando o Zé a pagar renda e pagou ao vizinho que ficara com o gerador como garantia, gerador esse que vendeu a seguir também, ficando com algum para si. Como já tinha pago a esse vizinho e o dinheiro da venda do gerador também estava a acabar, o padrasto voltou a ir pedir dinheiro a esse vizinho, que lho emprestou, tendo aí ficado com algum para mobilar a sua casa como deve ser. Entretanto, o Zé decidiu comprar um LCD, um DVD e uma aparelhagem. O Zé vivia como nunca vivera: tinha tudo do bom e do melhor, trabalhava cada vez menos e passeava cada vez mais. Até uma vinha que lhe dava um trabalhão desgraçado tinha sido arrancada, para vender por bom dinheiro ao vizinho (eram umas videiras de uma casta rara, que o pai lhe comprara em tempos, com o dinheiro que lhe “roubava” todos os meses e, afinal, para quê ter aquele dinheiro todo junto se só servia para gastar em coisas que davam trabalho?). Agora o Zé comprava o vinho lá fora e se não lhe apetecesse ir tratar das batatas e dos feijões também não havia problema, pois com o dinheiro que o padrasto lhe dava sem trabalhar quase nada, podia comprar tudo aos vizinhos. E o padrasto também nunca vivera como agora: tinha uma mansão mobilada com tudo o que há de melhor e um carrão, tudo comparado com o dinheiro que pedia emprestado para o Zé.
Com o passar do tempo, já nada do que estava dentro da quinta era do Zé e este tinha que pagar para utilizar tudo o que estava na sua quinta e trabalhava cada vez menos, mas recebia cada vez mais, pois o padrasto conseguia sempre arranjar quem lhe emprestasse dinheiro.
Mas um dia… Um dia o padrasto não conseguiu arranjar quem lhe emprestasse mais… De um dia para o outro, o Zé deixou de receber dinheiro do padrasto e teve que se ficar pelos parcos rendimentos da quinta (cada vez menores), pois já ninguém emprestava mais, visto que já ninguém acreditava que o Zé conseguisse, sequer, pagar os juros do que devia, quanto mais o capital. E o Zé viu, de um momento para o outro, os vizinhos entrarem-lhe em casa para lhe tirarem o LCD. Foi ter com o padrasto para saber que raio se passava, mas este respondeu-lhe que a coisa estava má, mas, mesmo sem o LCD, ainda estava muito melhor do que nos tempos do pai, pois ainda tinha a mota, a aparelhagem, a mobília…
Quando lhe entraram na casa para lhe levar a aparelhagem e o DVD, a resposta do padrasto foi que, mesmo assim, ainda tinha a mota, as mobílias e ainda tinha um padrasto que o deixava falar à vontade, que o ouvia, ao contrário do tempo do pai…
Entretanto, levaram-lhe a mota, mas o padrasto falou-lhe que ainda estava muito melhor que nos tempos do pai, pois ainda tinha mobília e um padrasto amigo, que o ouvia…
Num piscar de olhos o Zé ficou sem todos os luxos que tinha e já não era sequer dono do que estava na quinta. Tentou recomeçar a trabalhar, mas, desabituado como estava, já lhe custava muito mais que antes; foi falar com o padrasto, mas este separara-se da mãe e tinha tudo em seu nome, pelo que a mãe ainda ficou a viver com o Zé na casa vazia. Como não produzia o suficiente para pagar o que devia, ficaram-lhe com a quinta e com a casa: fora posto na rua e não tinha onde viver. O novo dono da quinta construiu uma barraca com uns paus mal amanhados e um telhado feito com umas chapas umas por cima das outras, sem água nem luz, e pô-lo a trabalhar de sol a sol na quinta por um salário muito baixo. O dinheiro que recebia mal dava para comer mais que uma sopa quase só feita de água e para pagar os juros da dívida. O Zé estava arruinado! Iria passar o resto da vida a trabalhar como um escravo e nunca mais podia aspirar a ter o nível de vida razoável que levava nos saudosos tempos de seu pai, onde trabalhava o suficiente para não faltar nada em casa, embora sem grandes luxos… Se ao menos ele tivesse pegado no dinheiro que o pai lhe deixara e o tivesse gasto a comprar um tractor, podia ter aumentado a produtividade da sua quinta, podia ter passado a ter uma vida menos dura e ainda podia ter feito uns biscates nos terrenos dos vizinhos para juntar algum e comprar outra quinta e arranjar trabalhadores para trabalharem por conta dele. Mas teve o azar de arranjar um padrasto que não só lhe sacou um dinheirão como o incentivou a viver à grande sem trabalhar e tudo para que ele não tivesse saudades do pai e mostrar que consigo como padrasto a vida era muito melhor do que no tempo do pai.

Até aos dias de hoje, ainda ninguém deixou de emprestar a esse país cuja história se assemelha à do Zé, mas quando isso acontecer… Nesse país, todos os Zés terão saudades do pai.

2 comentários:

Filipe Alexandre disse...

e já agora uma censurazinha aqui no seu blog pelo pai do Zé também vinha a calhar. Melhor, cale é o bico e vá trabalhar, porque o Zé não deve ter opinião, deve calar-se e deixar que o paizinho lhe administre os bens, bens que o Zé nem deve ter porque não é bom ter bens, diz o pai. Não é Zé?

Batinas disse...

O meu amigo não percebeu muito bem o que eu quis dizer. O Zé pagava impostos que eram bem aproveitados e não vivia melhor porque não produzia mais. Claro que o pai do Zé podia ter comprado o tractor há mais tempo e não o fez, gardou o dinheiro e não permitiu que o Zé melhorasse a sua vida, e aí errou; mas deixou lá dinheiro suficiente para ele o comprar. Agora o Zé continua a pagar impostos e já não tem dinheiro para o tractor, pois este foi gasto e não terá tão depressa, porque o padrasto do Zé pô-lo a viver acima das suas possibilidades e deixou-o refém das dívidas. Não digo que o pai do Zé fosse o melhor pai do mundo, mas era, pelo menos, mais sério que o padrasto...