Pretendo um dia dar a minha opinião, neste blogue, acerca da “tirania” do PIB e dos absurdos a que a sua utilização como medida absoluta da qualidade de vida da população de um país podem levar. Entretanto, e enquanto a falta de tempo ou a preguiça me impedirem de explanar por escrito a minha opinião acerca desse tema, deixo aqui um texto da autoria de João Pinto e Castro - Director Geral da Ology e docente universitário – que me pareceu bastante interessante. Confesso que não lhe paguei direitos de autor nem tão pouco lhe pedi autorização para utilizar o seu texto no meu blogue, mas como uso o texto dele numa perspectiva de apenas divulgar aquilo que são as suas ideias extremamente lúcidas e, na minha opinião, uma pedrada no charco no meio da teoria económica vigente, e não com ideia de lucrar algo ou dizer mal dele, acredito sinceramente que, mesmo que venha a saber, não me irá processar!
“As gerações actuais devem ter dificuldade em acreditar que houve um tempo em que a discussão política não se centrava nas convulsões do PIB [Produto Interno Bruto], mas essa é a mais pura das verdades.
Para começar, os sistemas de contabilidade nacional hoje usados foram inventados há apenas 70 anos. Antes disso, ninguém sabia ou cuidava de saber a variação homóloga da produção no último trimestre. Uma vez generalizado o método de medição, demorou ainda algum tempo (e muita lavagem ao cérebro) até que a opinião pública o aceitasse sem reservas como uma razoável aproximação do bem-estar colectivo.
Hoje, porém, poucos contestam a bondade do PIB como critério supremo de avaliação da acção política. Estamos a crescer mais ou menos? Acentuou-se ou reduziu-se a distância em relação aos outros países? A América é mais dinâmica do que a Europa? E o Governo estimula ou tolhe o PIB?
Transformar a soma de batatas com cebolas numa operação razoável foi um feito notável dos economistas, cuja relevância depende, todavia, da aceitação da equivalência entre acumulação de bens materiais e felicidade. Como toda a obra humana, também este "felicitómetro" tem os seus defeitos: o produto nacional aumenta se eu contratar uma mulher-a-dias, mas reduz-se, contra toda a evidência, se eu me casar com ela. É assim porque a contabilidade valoriza as transacções monetárias e desdenha as que não envolvem dinheiro. Mais complicado ainda é computar a riqueza gerada quando, ao contrário do que há escassas décadas sucedia, uma grande maioria da população não produz hoje nem batatas nem pregos, mas serviços intangíveis. O engenho dos economistas logrou, porém, superar essas e outras dificuldades de natureza mais técnica. Pelo menos, é assim que pensam os crentes.
Terão razão? A produtividade da UE é, dizem-nos as estatísticas, superior à dos EUA. Porém, como os americanos trabalham em média mais horas, o produto per capita deles é maior que o dos europeus, de onde decorre que eles são mais felizes do que nós. Este raciocínio absurdo explica-se pelo facto de o lazer não ser valorizado por este sistema: trabalhar mais é sempre bom, independentemente das consequências que isso tenha sobre a saúde psicológica e mental dos indivíduos e das famílias.
Mais: para a contabilidade nacional, um euro é um euro, sem interessar quem o recebe. Está aqui implícito que a desigualdade não afecta a felicidade dos cidadãos, embora nós saibamos (e a teoria económica o confirme) que um euro adicional proporciona mais felicidade a um pobre do que a um rico.
Nos tempos longínquos em que o ensino público básico gratuito foi introduzido na Europa, a poucos interessava que isso pudesse eventualmente contribuir para aumentar a produtividade da população. O benefício esperado da educação era, primeiro, a própria educação e, segundo, a promoção da cidadania. Hoje, porém, não só os investimentos na educação, mas também na cultura, na saúde e, mais recentemente, na própria justiça, são olhados com desconfiança se não contribuírem de alguma forma para promover a competitividade das empresas e do País. Tudo o que pareça incomodar o PIB estará ipso facto tramado.
Graças a Deus - há-de haver por força algo de divino nisto - alguma investigação económica parece sugerir que aquilo que é bom para as pessoas acaba mais tarde ou mais cedo por revelar-se bom para a economia. Não sei, todavia, se poderemos ficar tranquilos, dado que, segundo Fogel (Nobel da Economia em 1993), a escravatura era um regime de trabalho eficiente à data da sua abolição nos EUA.
Faz sentido que privilegiemos o objectivo de produzir mais e mais coisas quando a esmagadora maioria dos cidadãos vive na pobreza absoluta, mas as prioridades deveriam ir-se alterando à medida que a carência extrema se reduz e que outros factores se revelam mais decisivos para a promoção da dignidade humana.Nem o PIB nem qualquer outro indicador sintético são capazes de, isoladamente, elucidar-nos sobre o grau de bem-estar de uma sociedade. Para isso, precisamos de uma pluralidade de metas variáveis em função das circunstâncias e dos desafios do momento. Já que, nesta era obcecada pela quantificação (mesmo que espúria), estamos condenados a trabalhar para as estatísticas, ao menos que seja para aquelas que mais interessam.”
“As gerações actuais devem ter dificuldade em acreditar que houve um tempo em que a discussão política não se centrava nas convulsões do PIB [Produto Interno Bruto], mas essa é a mais pura das verdades.
Para começar, os sistemas de contabilidade nacional hoje usados foram inventados há apenas 70 anos. Antes disso, ninguém sabia ou cuidava de saber a variação homóloga da produção no último trimestre. Uma vez generalizado o método de medição, demorou ainda algum tempo (e muita lavagem ao cérebro) até que a opinião pública o aceitasse sem reservas como uma razoável aproximação do bem-estar colectivo.
Hoje, porém, poucos contestam a bondade do PIB como critério supremo de avaliação da acção política. Estamos a crescer mais ou menos? Acentuou-se ou reduziu-se a distância em relação aos outros países? A América é mais dinâmica do que a Europa? E o Governo estimula ou tolhe o PIB?
Transformar a soma de batatas com cebolas numa operação razoável foi um feito notável dos economistas, cuja relevância depende, todavia, da aceitação da equivalência entre acumulação de bens materiais e felicidade. Como toda a obra humana, também este "felicitómetro" tem os seus defeitos: o produto nacional aumenta se eu contratar uma mulher-a-dias, mas reduz-se, contra toda a evidência, se eu me casar com ela. É assim porque a contabilidade valoriza as transacções monetárias e desdenha as que não envolvem dinheiro. Mais complicado ainda é computar a riqueza gerada quando, ao contrário do que há escassas décadas sucedia, uma grande maioria da população não produz hoje nem batatas nem pregos, mas serviços intangíveis. O engenho dos economistas logrou, porém, superar essas e outras dificuldades de natureza mais técnica. Pelo menos, é assim que pensam os crentes.
Terão razão? A produtividade da UE é, dizem-nos as estatísticas, superior à dos EUA. Porém, como os americanos trabalham em média mais horas, o produto per capita deles é maior que o dos europeus, de onde decorre que eles são mais felizes do que nós. Este raciocínio absurdo explica-se pelo facto de o lazer não ser valorizado por este sistema: trabalhar mais é sempre bom, independentemente das consequências que isso tenha sobre a saúde psicológica e mental dos indivíduos e das famílias.
Mais: para a contabilidade nacional, um euro é um euro, sem interessar quem o recebe. Está aqui implícito que a desigualdade não afecta a felicidade dos cidadãos, embora nós saibamos (e a teoria económica o confirme) que um euro adicional proporciona mais felicidade a um pobre do que a um rico.
Nos tempos longínquos em que o ensino público básico gratuito foi introduzido na Europa, a poucos interessava que isso pudesse eventualmente contribuir para aumentar a produtividade da população. O benefício esperado da educação era, primeiro, a própria educação e, segundo, a promoção da cidadania. Hoje, porém, não só os investimentos na educação, mas também na cultura, na saúde e, mais recentemente, na própria justiça, são olhados com desconfiança se não contribuírem de alguma forma para promover a competitividade das empresas e do País. Tudo o que pareça incomodar o PIB estará ipso facto tramado.
Graças a Deus - há-de haver por força algo de divino nisto - alguma investigação económica parece sugerir que aquilo que é bom para as pessoas acaba mais tarde ou mais cedo por revelar-se bom para a economia. Não sei, todavia, se poderemos ficar tranquilos, dado que, segundo Fogel (Nobel da Economia em 1993), a escravatura era um regime de trabalho eficiente à data da sua abolição nos EUA.
Faz sentido que privilegiemos o objectivo de produzir mais e mais coisas quando a esmagadora maioria dos cidadãos vive na pobreza absoluta, mas as prioridades deveriam ir-se alterando à medida que a carência extrema se reduz e que outros factores se revelam mais decisivos para a promoção da dignidade humana.Nem o PIB nem qualquer outro indicador sintético são capazes de, isoladamente, elucidar-nos sobre o grau de bem-estar de uma sociedade. Para isso, precisamos de uma pluralidade de metas variáveis em função das circunstâncias e dos desafios do momento. Já que, nesta era obcecada pela quantificação (mesmo que espúria), estamos condenados a trabalhar para as estatísticas, ao menos que seja para aquelas que mais interessam.”
3 comentários:
Conversa de políticos, só mesmo o zé povinho para acreditar em promessas.
Sem mais comentários, quero apenas dizer que, no mínimo, tens um Blog muito interessante.
Continua o bom trabalho, faz falta mais portugueses do teu calibre, todos somos poucos para mudar Portugal.
http://nacionalalentejano.blogspot.com/
A velha teoria do copo meio vazio ou meio cheio. A classe politica vigente aproveita a ignorancia do povo e utiliza a estatistica como areia para os olhos de quem nao possui conhecimento para seleccionar.
http://portugalcivico.blogspot.com/
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